terça-feira, 7 de novembro de 2017

ATIV[AÇÃO] E TRANS[FORMAÇÃO]: CAMINHOS PERCORRIDOS PELA ESCOLA WALDIR GARCIA NO PROGRAMA ESCOLAS TRANSFORMADORAS

Ceane, Lúcia, Euzeni, Inéia e Amanda no Instituto Alana.
No início do mês de abril de 2017 tive a oportunidade de participar do processo de ativação da EMEF Waldir Garcia no Programa Escolas Transformadoras, de iniciativa da Ashoka em articulação com o Insituto Alana. Hoje são 280 escolas reconhecidas pelo Programa em 34 países, sendo 18 brasileiras. A EMEF Waldir Garcia foi a primeira escola da região Norte do Brasil a fazer parte dessa comunidade e, sem dúvida, ser reconhecida como transformadora amplia a sua responsabilidade político-pedagógica em relação às crianças que atende em Manaus. O relato que apresento agora tem muito de uma memória afetiva em relação àquele momento em que nos apresentamos na sede do Instituto Alana para o processo que confirmaria ou não a integração da “Waldir” ao Programa. Quando digo “nos apresentamos”, é porque acompanhei as educadoras Lúcia Cristina dos Santos (diretora da escola), Inéia Simas e Amanda Silva (coordenadoras pedagógicas), na qualidade de mãe de aluno e membro do CEFA.
Almoço com equipe do Instituto Alana.

Lembro bem do quanto estávamos ansiosas em passar por aquele processo de avaliação, com toda a tensão que o termo avaliação ainda provoca em nós. Entretanto, o ambiente de acolhimento e empatia era tão perceptível e vivo, que aos poucos fomos entendendo a natureza daquele acontecimento que, na verdade, recebia a devida denominação de “ativação”. É interessante o emprego desse conceito em lugar de avaliação porque, realmente, ativação tem a ver com o "aumento das propriedades de um corpo", por isso o termo “fortalecimento” também é um de seus sinônimos. Ora, acho que por aí é possível buscar os significados da etapa de ativação no Programa Escolas Transformadoras justamente por conferir um valor diferente à ideia de “avaliar/ser avaliado”. Considerando o ambiente de escuta sensível que foi criado, o ato de narrar realizado pelas educadoras foi convertido em uma rica oportunidade de autoconhecimento com a elaboração de outros sentidos para as práticas pedagógicas desenvolvidas. À medida que as narrativas iam se tecendo, por meio da revisitação das memórias dos acontecimentos vividos na história da escola, mais compreensão era possível ter sobre as suas recentes mudanças curriculares, especialmente aquelas provocadas pela assunção de um projeto formativo integral para todos os seus alunos e alunas. Por isso mesmo, compreendo que o ato da “ativação” pôs sob uma lente de aumento as características (ou propriedades) que a escola Waldir Garcia vinha constituindo ao longo de seus 30 anos de existência, mas que ainda não estavam imediatamente acessíveis e elaboradas.

Ao ouvir as histórias passadas na/da Waldir Garcia, especialmente àquelas em que a escola se abre para uma espécie de “contraturno social”, devido às situações em que as famílias do seu entorno ficaram desabrigadas pelas enchentes ou incêndios, se tem a clareza da sua sensibilidade diante das questões que afetavam diretamente a vida dos seus alunos e alunas. Este senso de solidariedade e compromisso com o justo e digno viver das infâncias [1] provocou um grande desafio às educadoras em seu fazerpensar cotidiano, abrindo caminhos provisórios, mas possíveis, para a sua transformação. Disso se tem a dimensão da escola como um organismo vivo, que passa por mudanças, mas que consegue também aprofundar as sua características mais essenciais. No caso da Escola Waldir Garcia, a empatia, a capacidade de escuta e a crença contra-determinista de que não importa a origem das crianças, o seu destino não pode estar definido. Ou dito de outro modo, nas palavras de Lúcia Cristina, diretora da escola: “Queremos que nossos alunos vençam as barreiras impostas por suas condições sociais para que tenham liberdade de escolha de seus caminhos”. A mesma aposta é feita pelos educadores belgas Simons e Masschelein [2] na crença utópica de que: “Seres humanos nascem sem destino e deveriam dar a si próprios seus destinos”. Isto aviva o sentido da escola como o espaço não apenas possível à experiência da igualdade e do respeito às diferenças, mas como um lócus de transformação e de emancipação.  



Lançamento do livro "Escolas Transformadoras"

Ainda sobre a ideia de transformação, Paulo Freire defendia que “A Educação não transforma o mundo. Ela transforma pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Entendo que é nesta direção que se coloca publicamente a obra “O ser e o agir transformador: para mudar a conversa sobre educação”, lançada em Manaus por Raquel Franzim (Instituto Alana) e Flavio Bassi (Ashoka) no dia 1o de novembro de 2017. A obra evidencia a rede de escolas transformadoras do Brasil a partir de seus vários sujeitos (educadoras/educadores, estudantes, ativadores/ativadoras e membros das comunidades), tecendo suas histórias e identidades próprias com os conceitos que aprofundam o ser/agir transformador: a empatia, o protagonismo, a criatividade e o trabalho coletivo.

Nesta ocasião foi muito emocionante, decorridos apenas seis meses da sua ativação no Programa Escolas Transformadoras, testemunhar o amadurecimento de toda a comunidade da Escola Waldir Garcia no seu processo de criação curricular. Assim, têm sido aprofundados(das) e constantemente repensados(das): o desenvolvimento das atividades de tutoria de estudantes e de educadores como espaçotempo de encontro, escuta, estabelecimento de vínculos de confiança e de aprendizagens mútuas entre adulto-criança, criança-criança e adulto-adulto; a organização dos grupos de responsabilidade como possibilidade de realização de atividades diversas e de projetos indicados pelas próprias crianças; a elaboração dos roteiros de estudo como uma nova dinâmica de organização dos conteúdos do núcleo comum do currículo do ensino fundamental, também gerando um repensar sobre as práticas de avaliação e autoavaliação das crianças e com as crianças; das novas possibilidades de relacionamento com os territórios educativos por meio das experiências de deslocamento e de integração dos espaços escolares com os demais espaços públicos do bairro e da cidade e das formas de organização e desenvolvimento do conjunto de oito oficinas que compõem a chamada “parte diversificada” do currículo. Importante notar a dimensão pedagógica própria do processo de pensarfazer o currículo, pois coloca toda a comunidade em movimento de indagação constante em relação ao que é praticado. Os relatos das educadoras na roda de conversa sobre “o cotidiano da escola” sinalizaram justamente para esse devir pedagógico importante e necessário.


Mesa onde educadoras da Escola Waldir Garcia relatam suas experiências cotidianas.

Gestora Lúcia Cristina
Professora Ceane Simões

Considerando toda essa experiência, em nome do CEFA, me permito parafrasear a diretora Lúcia Cristina e desejar que “As escolas vençam as barreiras impostas por suas condições atuais para que tenham liberdade de escolha de seus caminhos”. Entendo que esta é uma ativ[ação] e trans[formação] possíveis, na medida em que o conjunto da sociedade se (auto)reconheça e se (auto)permita engajar-se nesse compromisso de forma criativa (porque é preciso muita imaginação!) e compartilhada (porque não se faz nada sozinho!).
Dedicatória de Flávio Bassi ao CEFA




Faço um agradecimento especial à Raquel Franzim e Flavio Bassi pela presença e evidente empatia para com nosso movimento pela escola pública, laica, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.

Por Ceane Simões, mãe, professora e membro do CEFA.


[1] Ver Miguel Arroyo. Currículo, território em disputa (2013).
[2] Ver Marteen Simons e Jan Masschelein. Experiências de escola: uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica (2017).